Conta-me histórias

Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. E se um conto for o somatório de pontos de vista diferentes sobre a mesma história? TiC e TaC são irmãos que partilham pontos de vista diferentes sobre um mundo que nem sempre se conjuga...

quinta-feira, março 16, 2006

Capítulo III



O fogo da lareira parecia já não ter força suficiente para arder como há poucas horas atrás quando tinha sido alimentado. Foi como se a raiva que inicialmente o fazia estalar se estivesse a extinguir a uma velocidade estonteante. Enegrecendo as paredes do interior da casa, o que fazia corar o granito exterior que a sustentava, ainda que coberto de musgo e calejado do fenómeno da erosão.
Nisto, um ruído surdo e seco chamou a atenção de TiC que voltou a cabeça novamente na direcção da janela.
“Ouviste isto?” – perguntou à irmã franzindo o sobrolho direito, algo que fazia quando queria prestar uma atenção suplementar a certas coisas.
“Ouvi o quê?” - não obtendo qualquer tipo de resposta TaC repetiu a pergunta elevando ligeiramente o tom de voz. – “Ouvi o quê?”
Era escusado. Com um simples encolher de ombros a atenção do irmão tornou a centrar-se no mirrado coquinho, esfarelado em cima da mesa.
Não era nenhuma novidade, nem algo a que ela já não estivesse habituada mas hoje, particularmente, a mania que TiC tinha de não responder às perguntas como se os outros tivessem a obrigação de ler o que lhe ia na alma estilo X-Men, irritou-a moderadamente. Estando demasiado cansada para iniciar uma discussão parva por uma das suas inúmeras manias enervantes limitou-se a suspirar ironicamente. Um arrepio gélido percorreu-lhe a espinha e envolveu-se com força no casaco de malha preto, como quem tenta colocar um sinal de proibição à entrada de frio no organismo.
“É de mim ou ‘tá a arrefecer?”
“Não é de ti. A lareira está a apagar-se.” – respondeu-lhe TiC secamente continuando a ingerir bolinhos sem sequer a olhar.
“Já ias lá tratar do assunto...” – brincou a jovem em jeito de pedido.
“Eu? Porquê? Vai lá tu! Se bem me lembro tu é que és perita em deitar lenha na fogueira!” – Enquanto o disse lançou-lhe um olhar provocador e magoado. Este atravessou a mesa como uma flecha encontrando uma surpresa instantânea nos olhos da irmã.
“Que queres dizer com isso?”
Mais uma vez silêncio. Mas este bastante diferente dos anteriores. A pergunta era, claro, retórica. Ela sabia bem o que ele queria dizer. E aquela expressão dizia-lhe mais que dez desenhos...